Crónicas Olifradenses


Havia, decerto, qualquer coisa em Lisboa que tantas vezes me fez escrever sobre ela. Oliveira não é assim. É serrana, séria, crua e pasmacenta. Mas devolveu-me um prazer que nem sabia ter, porque talvez escondido na mais recôndita gaveta da infância: o deslumbre de ver a Natureza transmutar-se a cada estação que se avizinha; como se o ano fosse uma peça em quatro actos, escrava de um cenógrafo delirante que descobriu a transição perfeita.
Quando aqui cheguei os dias mostravam-se já curtos. O meu corpo mergulhava na piscina ao fim da tarde com a sofreguidão de quem sabia que não tardava muito esse calor. A retina fixava aquelas cores impossíveis e fugazes.
Depois vieram os ouriços a arranhar o tejadilho do meu carro. O cheiro e as castanhas que passaram a acompanhar os pratos do dia. O requeijão no ponto mergulhado em doce de abóbora.
O magusto e os lanches temperados a produtos da época.
Passei a sair do trabalho à noite. A fechar o edifício. A saber, enfim, o que é uma escalfeta. A desfilar casacos e botas e luvas e gorro e cachecol e guarda-chuva. Castigada por chuva e árvores nuas por onde atravessam cantos do vento. Granizo, gelo e depois neve.
Querendo sair cada vez mais cedo por ter cada vez mais medo de enfrentar o escuro daquela estrada.
O Inverno, do calendário, já só chegou no Porto. E por aí ficou. Que este povo sábio sabe que Janeiro, ainda que frio, traz consigo outra luz.
O Carnaval tardio iludiu a passagem deste mês que nem sequer foi interrompido.
O dia acordou com um sol bem disposto.
Ainda que aí venha frio e chuva e tudo... o pior já passou! Cheira a Primavera, ao ver os dias engalanarem-se e as árvores carregadas de magnólias que me trazem um cheirinho à minha terra.
Por amor às estações - às quais o acordo retirou maiúsculas - tirei das jarras os ouriços de Oliveira e dei lugar às flores...

Até chegar aqui tinha medo do "1.º acesso". Virados os seis meses sei, agora, que ainda bem!

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