marginal


adj. 2 gén. Da margem. Que está à margem. Diz-se do assunto, questão, aspecto, etc., de importância secundária e escassa. s. m. Pessoa que vive à margem da sociedade.


Hoje. Primeira tarde com cheiro a Primavera. Opção marginal ao som de bossa nova. Pôr-do-sol de tons quentes. Apetece-me. Ao longo dessa linha que percorre o mar, a barra, o rio, ponto de partida das minhas pontes rumo ao outro lado... ouvi a gargalhada em qualquer sítio. Como se o meu corpo já se tivesse refastelado em todos os ângulos desse percurso. Seja em conversas, em caminhos, em beijos, em suspiros ou só numa fotografia... nas duas margens. Da margem partem barcos, partem sonhos. Da margem ouve-se o mar. Olha-se o mar. Sente-se o cheiro. À margem ficam os percursos já feitos, os anseios desfeitos, os desejos refeitos. Na margem a minha pele estende-se ao sol. Na marginal dão-se passeios. Criam-se enlaces. Nascem histórias. Um marginal é como o Jeremias que escolheu o seu lugar do lado de fora. As dúvidas vivem na margem e felizes aqueles que não têm margem para elas. Nas margens das páginas fica o nada ou, apenas, a margem. Na margem das terras fica o fim da vida de quem nelas se deixa levar. Ficam os portos. Ao longo da margem do Douro fica o Porto. Na marginal do Tejo fica Alfama. E eu, que nunca fui deixada à margem, fiz de todos os meus sonhos marginais!

«É pau, é pedra, é o fim do caminho É um resto de toco, é um pouco sozinho É um caco de vidro, é a vida, é o sol É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol É peroba no campo, é o nó da madeira Caingá candeia, é o matita-pereira É madeira de vento, tombo da ribanceira É o mistério profundo, é o queira ou não queira É o vento ventando, é o fim da ladeira É a viga, é o vão, festa da cumeeira É a chuva chovendo, é conversa ribeira Das águas de março, é o fim da canseira É o pé, é o chão, é a marcha estradeira Passarinho na mão, pedra de atiradeira É uma ave no céu, é uma ave no chão É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão É o fundo do poço, é o fim do caminho No rosto um desgosto, é um pouco sozinho É um estepe, é um prego, é uma conta, é um conto É um pingo pingando, é uma conta, é um ponto É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando É a luz da manha, é o tijolo chegando É a lenha, é o dia, é o fim da picada É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada É o projeto da casa, é o corpo na cama É o carro enguiçado, é a lama, é a lama É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã É um resto de mato na luz da manhã São as águas de março fechando o verão É a promessa de vida no teu coração É uma cobra, é um pau, é João, é José É um espinho na mão, é um corte no pé São as águas de março fechando o verão É a promessa de vida no teu coração É pau, é pedra, é o fim do caminho É um resto de toco, é um pouco sozinho É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã.
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Tom Jobim



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